21 de julho de 2008

“Espere em silêncio…tranquilamente”


"Há dias assim, com pormenores de gentileza e sorrisos a condizer"

O passaroco (mocho?) em relevo, pousado num galho, faz parte dos cartazes estrategicamente colocados na sala de espera e junto ao guichet das consultas de cardiologia, nos HUC (Hospitais da Universidade de Coimbra).
A legenda (do cartaz) “Espere em silêncio…tranquilamente”, não pode ser considerada uma ordem, nem anuncia espera longa, apenas sugere tranquilidade e boca calada.
Quem tem alguma maleita cardiovascular, deve procurar estar calmo, por isso, a sugestão é uma espécie de placebo bem aceite, creio, pela maioria dos utentes.
Naquele segunda-feira, a funcionária, ao “postigo”, quando fazia a minha inscrição, não foi de modas no aviso: o “meu” médico deixara de dar consultas e o substituto, como estava doente, não vinha naquele dia! Tinha duas soluções: ou regressava a casa e marcava atendimento para outro dia, longe no tempo, ou esperava e era recebido por outro médico depois ter passado em revista os “seus” doentes. Decidi esperar, “mas olhe que vai demorar bastante tempo a ser atendido”, disse a funcionária; “o que quer dizer com bastante tempo”?, perguntei – “umas horas”, respondeu com ar resignado.
Se tinha de ser assim, paciência, decidi-me pela espera em silêncio, tranquilamente…
Nos trezentos minutos, bem contados, que se seguiram, li todos os jornais que estavam espalhados pelas cadeiras, sempre de boca calada e com a tranquilidade que a situação exigia; depois, desci tranquilamente pela escadaria interior até ao rés-do-chão e fiquei quieto num sofá por tempo “infinito”.
Não faço ideia de quantos “malucos”, como eu, ocupavam o seu tempo de espera naquela pose contemplativa tradicional: pernas cruzadas, braços sobre os joelhos e o olhar atento a quem passava.
As pessoas, na sua maioria, traziam o passo acelerado, sinal de que estavam com pressa de chegar a algum sítio. Jovens licenciados, de bata branca e estetoscópio sobre o pescoço, cruzavam-se com gente humilde no trajar, um pouco perdida na confusão de quem conhece os cantos à casa; os delegados de informação médica faziam realçar a sua condição de mensageiros, elegantes nos fatos, de pastas recheadas de publicidade numa das mãos; seguranças e oficiais dos serviços de limpeza cuidavam das suas missões com esmero…
No enorme átrio da entrada principal não há cartazes a sugerir silêncio e tranquilidade; mesmo assim as conversas eram calmas e (aparentemente) tranquilas.
Cansado do entretêm a que me tinha proposto, subi ao terceiro piso.
“Ainda é cedo”, disse a funcionária que se preparava para terminar o dia de trabalho. Continuei a espera em curtos passeios pelo corredor…
Por volta das 5 da tarde – finalmente! – abriu-se a porta de um dos gabinetes, saiu de lá um sujeito com ar satisfeito, uma voz feminina chamou pelo meu nome e eu, ao entrar, disse “ boa tarde”, talvez com cara sisuda, daí que o sorriso da jovem médica, que acompanhou a retribuição do cumprimento, me tivesse devolvido a tranquilidade que, confesso, já era pouca….
Depois, vieram as (inesperadas) palavras que pacificaram por completo a minha consciência: “peço desculpa por ter esperado tanto tempo…”.
Perante atitudes de educação e respeito deste quilate, para que conste, não podia deixar de trazer a Doutora Elisabete à ribalta desta despretensiosa croniqueta.
Há dias assim, com pormenores de gentileza e sorrisos a condizer…

9 de julho de 2008

Cegos, surdos e mudos


Esta manhã, já avançada nas horas, li os títulos da Imprensa nacional, cumprindo um dos rituais diários.
Quando me agradam as notícias positivas, “entro” e leio; se me deixam curioso as parangonas deprimentes, “entro” e leio, mas se os títulos são inócuos, também “entro” e leio, nunca fiando, é que nem tudo o que parece é…
A facilidade com que dou a volta ao país, pela leitura, só é possível, é bom de ver, porque tenho Internet à distância de um click – uma maravilha da ciência que não dispenso.
Quando se tem tempo para pensar devagar, como é o meu caso, as náuseas são mais do que muitas, face a tanta crise, despoletada pelo aumento do custo do petróleo – é o que dizem os especialistas, todos eles, sobretudo os políticos que, pelo facto de o serem, mesmo os mais incultos em matéria económica, arvoram-se em “opinadores” doutrinários, e nós caímos na esparrela, acreditamos, e cá vamos “cantando e rindo”…
Perante alguns desplantes de enorme arrogância cívica, o povo tem o direito de espernear, barafustar, refilar e pouco mais. Valha-nos isso, se possível para sempre – amén!
Adiante. O tempo por aqui, pelo meu sítio, vai sereno, o rio tem menos força na corrente, não tarda chegam os sedentos do sossego. As pessoas hão-de gozar férias, regadas com vinho e cerveja, cultivando a saudade com arrotos de bebedeiras e, depois, irão felizes porque ouviram a banda tocar ou deleitaram o olhar com as danças do folclore. Férias são férias!
E assim se hão-de passar os dias, nesta aparente calmaria, entremeada com lamentos de churrasco,”… porque isto está mau, cada vez pior, só se fala de crise, ninguém sabe onde vamos parar, a sardinha está caríssima, agora nem se pode cortar um pinheirinho para aquecer o Inverno sem ter que dar conhecimento às autoridades…” – tudo por causa do nemátodo (uma praga voadora que veio dizimar a nossa riqueza florestal) - e por aí fora…
Este é um esboço da região onde estou inserido, não me atrevo a escalpelizar os males das outras, vizinhas ou nem tanto, já bastam os nossos, ainda que algumas maleitas sejam comuns, como é o caso concreto de alguns líderes que governam o poder local - os tais que, num repente, ficam doutorados em toda a linha do conhecimento, graças ao cargo que exercem.
…É por isso que sempre “tive o sonho de ser”, no mínimo, autarca no meu sítio; bem tentei, mas o povo, soberano, achou que não era merecedor de tamanha honra, ofertando-me o lugar “pelos meus lindos olhos”. Já que não cursei escola de grau superior, ao menos, por essa via, bem podia ficar com a chancela de doutor ou “coronel”, à moda do sertão brasileiro de outros tempos, mas não – continuo sem poder dizer “coisas”, como o meu presidente de Junta… Ia a croniqueta desta quinzena muito direitinha pelos caminhos da seriedade, quando, num despiste, ao dar de ouvido na bonomia de certo amigo, mais ou menos a meio do texto, saltou as barreiras do bom senso dos primeiros parágrafos. Disse-me ele, através do Nokia, que o povo anda cego ou pior ainda: cego surdo e mudo! Verdade?
E veio com uma cantilena de ouvir lá para o ano que vem, perto das eleições, não agora, o povo está sereno, tudo está sereno, como o “meu rio”, que se apresta para, no Verão, que há-de ser de calor africano, enxaguar as miudezas dos sedentos do sossego do sítio onde ouço o canto dos melros, rolas e um ou outro cuco, lá para os lados da Quinta do Barbeiro.