22 de março de 2009

A “crise” de agora e “A arte de Furtar” (Séc. XVII)



O programa Prós e Contras da RTP obriga a um manancial de excelentes raciocínios. Quando o tema vai de encontro às minhas preocupações, fico atento do princípio ao fim.
Como responder à crise? – foi a questão em debate segunda feira passada, dia 9.
Os convidados, todos eles especialistas nas matérias associadas, opinaram, mas dali não saiu, a meu ver, nenhuma ideia brilhante, precisa e concisa, mágica até, capaz de solucionar o problema que toca a todos….a todos, virgula, porque a crise não é como o sol quando nasce!
A crise – sejamos justos – é só para alguns, depende! Melhor: cada um tem a sua própria crise, que pode ir da falta de dinheiro à ausência de perspectivas de emprego; sobre outras crises, tão díspares entre si, durante o programa, nenhuma delas mereceu honras de conversa.
Se ficarmos presos às grandes questões da tesouraria, La Palice diria que a crise só atinge…quem tinha milhões e passou a contar tostões!
No debate foi dito que há dificuldades, sim senhor, mas não ”… passa disso”, tudo se há-de compor a seu tempo – era um optimista a dizer “coisas”.
Veio outro especialista poetizar a felicidade merecida com a ideia de que, por essa via, todas as soluções estão ao alcance das nossas mãos, mais coisa menos coisa – era um sonhador a tirar a água do capote, na eventual falta de conhecimentos contabilísticos.
Animado, o programa lá foi por minutos bem contados a caminho do fim…
O mundo está de pernas para o ar, sem dúvida, mas não será o tempo de agora que lhe regista o passamento, apesar de todas as crises – nem o Bandarra o previu nas suas profecias! Portanto, a vida continua, com altos e baixos, como as marés…
Será “pecado” badalar a crise e, mesmo assim, encher os estádios de futebol?
O “nosso” Tony Carreira lotou por duas vezes o Pavilhão Atlântico – que se passa com os pecados dos seus leais seguidores?
Fico-me pelos exemplos de” Gente Feliz com Lágrimas” (perdoe-se a analogia com a obra de João de Melo) porque das duas uma: ou estes milhares de portugueses, amantes da bola e das cantigas do Tony desconhecem a realidade do País e do resto do mundo, ou então são mesmo uns sortudos e não há crise que lhes chegue, por mais desemprego que possa ser contabilizado pelos sindicatos, despedimentos, etc., etc.
Ainda a crise.
Veio parar-me às mãos uma edição gráfica da Gulbenkian, onde se podem ler alguns textos escritos no Século XVII. Um deles, sem nome de autor, intitula-se a “Arte de Furtar”. Ficam os rótulos que encimam alguns capítulos do texto panfletário (?), para merecimento da atenção do leitor:
Como para furtar há arte, que é ciência verdadeira”; “Como a arte de furtar é muito nobre”; “Como os maiores ladrões são os que têm por ofício livrar-nos de outros ladrões”; “Como se furta a título de benefício”, etc.
“… Assim se prova que há arte de furtar; e que esta seja ciência verdadeira é muito mais fácil de provar, ainda que não tenha escola pública, nem doutores graduados que a ensinem em universidade, como têm as outras ciências...” – anotou o escrevinhador, ilustre desconhecido.
Como se fala de crises, bancos sem dinheiro, paraísos fiscais e outras negociatas, o livrinho… nem de propósito, parece ter saído agora do prelo.

3 de março de 2009

Watergate à portuguesa


O Congresso do Partido Socialista chegou ao fim sem estórias para contar numa croniqueta como esta, que foge da política partidária como o diabo da cruz. Mesmo assim, estive atento aos discursos…
O engenheiro Sócrates pediu para as próximas eleições legislativas nova maioria, como estava previsto, portanto…”nenhuma novidade”!
…Novidade é a sua incómoda posição no “caso Freeport”, num tempo em que não são permitidos desvios de atenção na liderança do País.
Há uns tempos a esta parte era de todo impossível imaginar as nuvens negras que lhe cobriram o azul do céu, por onde passeou arrojo nas decisões da governação, quando pouco se sabia sobre a crise que aquecia em banho-maria. Perante o desconforto das notícias que adensaram dúvidas sobre a sua interferência no “negócio” de Alcochete, Sócrates, o cidadão, deu a cara na defesa da sua honra; o político não vacilou e disse ao que vinha: cartas na mesa, e a Justiça que desempenhe o seu papel, de preferência até ao próximo Outono, de modo a que não fiquem dúvidas sobre todas e quaisquer decisões por si tomadas nesse período a que se reporta o escândalo Freeport.
Sócrates está, pois, metido numa alhada do arco-da-velha, que faz mossa e tira o sossego aos seus afazeres no Governo, logo agora que são necessárias – mais do que nunca! - decisões acertadas…
O discurso de abertura do secretário-geral do PS, no Congresso, trouxe uma frase que destaco e é por aí que conduzo o raciocínio: “Em democracia quem governa é quem o povo escolhe, e não um qualquer director de jornal ou uma qualquer estação de televisão…”.
Que o assunto Freeport justifica todas as primeiras páginas e aberturas de telejornais, todos estamos de acordo; que um “escândalo” deste quilate, onde se quer “encaixar” o actual Primeiro-ministro, faz menear as cabeças dos incrédulos, também é verdade; que alguns especialistas dos “media” portugueses são capazes de vender a alma ao diabo, a troco da tentativa de fazer cair o Primeiro-ministro de Portugal, ninguém discute. Quanto mais “sangue” melhor, porque haverá um prémio para quem desfechar o tiro certeiro, de preferência no peito, um pouco descaído para a esquerda…
Não há, no assunto Freeport, semelhança com o caso Watergate, em 1972, que valeu ao presidente americano Richard Nixon uma saída a destempo do cargo que exercia; a haver alguma analogia, só a vamos encontrar na Imprensa, a começar pelo jornal Washington Post, o “pai” de todas as denúncias, depois de investigação com primor.
É sabido que o escândalo foi retratado posteriormente de várias maneiras e feitios, sobretudo no filme “Os Homens do Presidente”, vencedor de quatro Óscares …
…Mas isso foi na América, um país demasiado confuso para a compreensão beirã de um “tuga” como eu...
Em Portugal não haverá, estou certo, nenhum “caso Sócrates” que justifique uma fita de cinema, embora os jornais insistam no sonho de um guião, ao estilo do Washington Post.