12 de maio de 2012

Miradouro da "esperança"


Vou puxar a brasa à minha sardinha, com vossa licença…
Inaugurado em 1992 pelo então Secretário de Estado da Agricultura, Álvaro Amaro, o “Miradouro da Esperança” continua a desempenhar a missão para que foi construído: suster uma inestética barreira, sita na rua principal do meu sítio. Como lhe acrescentaram um passadiço com proteção física, mais ou menos a três quartos da altura, batizaram- no de mirante, sinal de que dali se descortina horizonte suficiente para saciar a vista, o que não corresponde à verdade. Digamos que tem as “vistas curtas” para o outro lado da rua, para cima, para baixo e para o alto…
Nunca questionei os autores da ideia sobre o pomposo título; os senhores desse tempo, no meu sítio, lá saberão da sua importância nacional, a ponto de merecer a honra presencial de um membro do Governo na hora de cortar a fita. Adiante – importa a obra que alindou o espaço, e o resto pertence às manigâncias político-partidárias –, nada a acrescentar perante a evidência da pompa e circunstância da inauguração, a que associo um pouco da “Procissão” de António Lopes Ribeiro, poema magistralmente interpretado por João Villaret:: “…Na nossa aldeia, que Deus a proteja, já passou a procissão…”!
Nesse recuado ano, os anseios de alguns dos meus conterrâneos manifestaram-se através da construção de um paredão e do vocábulo esperança! Certamente profetizaram renovado futuro, e nada melhor do que a rigidez do betão para exprimirem, simbolicamente, sentimentos e desejos legítimos. Infelizmente, a aldeia desertifica-se de ano para ano e não se adivinham tempos de fartura. Essa “esperança” evaporou-se…
Por cá, no meu sítio, há casas reconstruídas por quem se apaixonou pela terra, e muitas, imensas casas decrépitas – retrato em sépia de uma realidade confrangedora. O “meu” rio, que agora transborda, no estio abandona-se no leito, mal se espreguiça, e deixou de ser a grande atração turística pela ausência de caudal capaz de arrastar toda a espécie de porcaria para bem longe das margens. Junta-se ao Mondego perto de Penacova e perde a identidade a caminho do mar. Hoje fui visitá-lo de perto – assusta o turbilhão das águas revoltas.
No “coração” da aldeia, a última filial dos Grandes Armazéns do Chiado morre devagar, e o mesmo acontece ao palacete da família Nunes dos Santos, fundadores dos célebres armazéns consumidos pelo fogo em 1988.
E pronto, disse, basta por hoje, mas continuo pensativo e insisto na dúvida: sempre gostaria de saber se alguém já lobrigou do “miradouro” algum tipo de esperança….
(Adaptado da croniqueta com o mesmo título, publicada no "Correio da Beira Serra"  em Fevereiro de 2009)