25 de dezembro de 2007

Insónias e pesadelos

Vá lá saber-se porquê, uma noite destas tive uma insónia que me deixou mais cansado do que estava quando me deitei.
Dei conta disso depois das voltas nos lençóis; como se não bastasse o corpo maçado, também a alma ficou dorida pelo corrupio de ideias (?) que durante todo esse tempo afloraram à mente, coisas parvas, estúpidas, algumas sem sentido, mas eram ideias e pronto - guardei-as para descodificar em melhor ocasião.
Tenho para mim que a falta de sono surgiu na sequência de um daqueles pesadelos de que quase nunca nos lembramos ao acordar; coisa boa, no mínimo razoável, não terá sido...
Como é bom de imaginar, horas a fio naquele jeito incómodo de estar deram-me a volta à cabeça. Ainda peguei num dos livros que tenho à cabeceira, editado recentemente, “Rio das Flores”, de Miguel Sousa Tavares, mas a leitura não trouxe o resultado esperado; reconhece-se ao autor talento e qualidade na escrita e na palavra dita, mas este romance, a meu ver, peca pela minúcia de determinados relatos e esse pormenor enfadou-me, confesso.
A propósito do título, quando o li, pareceu familiar. Pelas dúvidas, fiz uma busca (abençoada Internet!) e encontrei: Rio das Flores é nome de cidade brasileira, pertence ao município do Rio de Janeiro! Mera coincidência, dirão, também creio…
O Brasil é um país que me seduz por múltiplas razões; “sei” de um colibri, passarito simpático, de bico esguio e ágil, que suga o néctar das flores pairando no ar com as asitas em frenética velocidade, como todos fazem; este rodopiou uma, duas, vezes, à volta da “primavera” e quase a beijou, como se fosse flor.
Será – é! – uma imagem romântica, como outras que poderia surripiar da obra do poeta Mário Quintana, por exemplo, mas basta esta para ilustrar a poesia do gesto.
Obviamente, não é só o “beija-flor” que me fascina naquele país irmão. Pouco amante da arte do samba, prefiro a dança do futebol, aprecio a paisagem “ africana” de que tenho saudade, e o quentinho do clima – outra saudade, agora ainda mais sentida pelo contraste do frio que vai fazendo por cá…
Volto à minha insónia.
È fantástico como no “silêncio do escuro” se pensa de forma profunda nos afrontamentos da vida e nas “soluções” para os problemas que carregamos diariamente!
Porém, quando vem a luz do dia, ou se acendemos a lâmpada do candeeiro da mesinha de cabeceira, aquilo que parecia ter lógica, deixa de ter, e as soluções quando muito não passam de hipóteses…remotas.
Quero dizer que devemos estar em permanente escuridão quando se procuram decisões para os problemas de vária ordem e qualidade? Nada disso - é importante que tudo seja feito às claras, sob pena ficar alguma sombra incomodativa.
Se há uma solução para determinado coisa que atrapalha, vamos a ela!
O pior é quando não se consegue enxergar uma luz ao fundo túnel e as insónias se confundem com pesadelos…

18 de dezembro de 2007

4 de dezembro de 2007

“Mondego”, o cão

Trago o Paulo Marques à ribalta da minha despretensiosa croniqueta pelo facto de ser considerado muito justamente figura pública solidária.
Diga-se, em abono da verdade, que o Paulo, “velho” conhecido de mais uma década, coloca a sua paixão por pessoas e bichos no mesmo prato da balança – no outro estão os seus afectos em actos e palavras.
A homenagem, quase privada, que lhe foi prestada no Domingo passado, teve a ausência (esperada) dos “outros amigos” a quem ele dedica especial desvelo; há, pelo menos, oitenta desses amigos de quatro patas que, se fosse possível, o teriam ido parabenizar.
Se os animais “falassem”, era isso que teria acontecido, sem qualquer dúvida, na “opinião” do rafeiro com nome rio: “Mondego”.

“Quando “criança”, o “Mondego” era o enlevo da família de acolhimento, graças à sua permanente disponibilidade para as brincadeiras dos meninos da casa. Então a Rita, traquina, não lhe dava parança um minuto, mas que importava isso se ela era a sua preferida nos jogos de “esconde / esconde” de que tanto gostava! Já o Hugo, irmão mais velho da Rita, não era flor que se cheirasse: puxava-lhe o rabo e pontapeava-o a meio da paródia.
O “Mondego” chorava, como só os cães sabem, e escondia-se fosse onde fosse logo que o Hugo começava com a “patifaria”, na honesta opinião de qualquer cão.
Apesar disso, o “Mondego” considerava que levava uma bela vida: comida da melhor, banhos, anti pulgas, vacinas – tudo com preceito, até a alcofa onde dormia merecia ar puro diário.
O “Mondego”, naturalmente, cresceu. Diz “ele” que o pior defeito trazido do tempo de “criança” era a irreverência...
Um dia, quando nada o previa, o dono levou-o a um passeio, serra acima, e enquanto se entretinha com os cheiros daquele mundo meio estranho, levou longe demais a correria, a ponto de se perder atrás de uma moita. Depois de ter erguido as orelhas e aguçado o olhar em busca do dono, concluiu que tinha sido abandonado à sorte do destino incerto
Depois de horas a fio sem rumo (ou foram dias?), apercebeu-se do barulho familiar dos automóveis que iam e vinham em velocidade estonteante.
Devagar, cansado, foi até à berma daquela estrada que nunca tinha visto assim cheia, e por lá ficou, indeciso:
- Atravesso para o outro lado, ou volto para trás? - pensava .
Todo ele tremia – o instinto dizia-lhe para ser cuidadoso.
De repente, um dos muitos automóveis, em marcha lenta, acendeu uma luzinha, como se lhe piscasse o olho, e parou mesmo ao seu lado.
Resoluto, o Paulo Marques - conheceu-lhe o nome mais tarde – pegou em si, com jeito e palavras mansas, e colocou-o no banco de trás.
A viagem foi longa. “Conversaram”, ele com latidos e abanadelas de rabo que, tinha a certeza, o seu protector entendia, e este a querer saber coisas: de onde vinha e para onde ia – coisas que, para um cão como ele, agora em segurança, eram desnecessárias…
O Paulo, disse-o na roda de amigos, “limitou-se a alterar a vida e o futuro do miúdo”, sem pensar nas consequências: espaço para alojar o “Mondego” e a “zanga” da mãe:
- Mais um, Paulo?
O pai, homem de outros cuidados, atenções e paciências, por certo conformou-se com o novo hóspede do canil, e “inventou” um lugar digno e acolhedor, de modo a que o “Mondego” se sentisse em casa.
- Bem-vindo – disse o Paulo.
Feita a “chamada” do recolher, responderam oitenta e três utentes, incluindo o “Mondego”!