18 de março de 2008

Escrever claro

O tempo de vida que levo a falar e a escrever português vai longo; mesmo assim, na escola primária fui a tempo de aprender que a palavra farmácia, por exemplo, se escreve como se lê e não com «ph» -pharmácia - como muito antigamente!
Algumas reformas linguísticas, entretanto, aconteceram com naturalidade - nada comparável ao que está para vir a breve trecho, depois de ratificado pelas partes interessadas o acordo ortográfico luso-brasileiro.
Li que vai existir uma adaptação vagarosa ao novo modo de escrever algumas palavras em português, o que é perfeitamente natural e normal; por aí ficamos todos descansados, sobretudo a gente nova, incluindo o Quico com dois anos, meu neto, e todas as crianças desta geração: têm uma vida inteira pela frente para aprender a escrever o “novo” português.
Um intelectual, dos que opinam com sabedoria coisas importantes para a História registar, disse e eu ouvi, que qualquer dia a língua portuguesa, tal qual é falada e escrita agora, fica restringida a um pequeno espaço físico rectangular, como se fosse um gueto europeu onde vivemos nós, os portugueses. O resto do mundo lusófono, simplesmente escreveria “brasileiro” – um exagero do senhor importante…
É reconhecido que a Pátria de Camões, Pessoa e tantos outros portugueses eruditos, cedeu bastante no acordo; não será, porém, pelo facto de desaparecer o acento circunflexo nas paroxítonas terminadas em «o» duplo («vôo» e «enjôo»), usado na ortografia do Brasil, ou escrever «úmido» em vez de húmido, que o português escrito deixa de ser a língua materna de mais de dez milhões de portugueses pelo nascimento ou adopção - «adoção», a partir de agora!
Afiançar que só os mais “antigos” continuarão a escrever em português “arcaico”(?) é, repito, um exagero.
Faço questão de, aos poucos, criar hábitos de escrita consonante com o novo acordo e não considero que passarei a escrever em “brasileiro”!
De resto, como sabemos, sempre dançámos ao som do que vem de fora – até na língua pátria - é disso que se trata - com todos os estrangeirismos adicionados ao longo da História.
Se os países africanos onde reinámos durante séculos ainda estivessem sob jurisdição portuguesa, alguns vocábulos locais poderiam ser acrescentadas, pela frequência da sua utilização, e nem por isso se diria que a língua passava a ser angolana ou moçambicana.
… Era giríssimo escrever em português de Portugal que determinada wansatai (mulher) ainda tombazana (rapariga) é maningue chunguila (muito bonita) – dialectos moçambicanos que em tempos passados se misturavam com a nossa língua, falada e escrita..
Esta semana vai ser posto à venda um novo dicionário da Língua Portuguesa, que inclui as alterações do acordo luso-brasileiro. Estou curioso…
Entretanto, ambanine (adeus), chega de bula-bula (conversa fiada):
- “A minha Pátria é a língua portuguesa” (Fernando Pessoa) – com ou sem estrangeirismos!

3 comentários:

  1. E como dizia o Wittgenstein, "os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo"...
    Mas uma língua viva tem de manter-se em evolução, por muito que isso custe aos que são apanhados nas ondas levantadas pelos acordos ortográficos ao longo dos anos.
    Ou estaríamos ainda a falar o galaico-português, ou até o latim...
    Imagino o que terão reclamado as pessoas quando o acordo de 1945 veio alterar a antiga forma de escrever!
    Nós temos pelo menos a grande vantagem dos meios de comunicação actuais e da Internet, onde podemos sempre buscar apoio nas dúvidas.
    (sugiro uma visita ao site: http://orto.blogs.sapo.pt/ com informação sobre o tema)

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  2. De um amigo brasileiro:

    Homenagem à Língua Portuguesa
    Olavo Bilac (poeta brasileiro)

    Última flor do Lácio, inculta e bela,
    És, a um tempo, esplendor e sepultura:
    Ouro nativo, que na ganga impura
    A bruta mina entre os cascalhos vela…

    Amo-te assim, desconhecida e obscura,
    Tuba de alto clangor, lira singela,
    Que tens o trom e o silvo da procela
    E o arrolo da saudade e da ternura!

    Amo o teu viço agreste e o teu aroma
    De virgens selvas e de oceano largo!
    Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

    Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
    E em que Camões chorou, no exílio amargo,
    O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

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  3. Sou do Oriente de São Paulo, Brasil. TFA

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