30 de setembro de 2006

Voltei ao parque

Fui ao parque porque tinha a “certeza” de que te iria encontrar!
Não estavas… mas calcorreei os caminhos que foram “nossos”. Sozinho!
O parque estava vazio de pessoas e ainda bem – não era justo alguém incomodar o solitário “regresso ao passado”…
À saída, vi uma figura miúda, ia devagar, cabeça baixa…
Eras tu!
Aproximei-me.
- Olá - disse eu.
- Olá - disseste tu.
- Como estás?
- Bem, e tu? Por aqui?
- “Sabia “ que te encontraria!
- Ando a espairecer, a tentar encontrar-me…
- Entramos um pouco?
- Pode ser.
Falámos de nós, sentados noutro banco, uma mesa entre os dois, olhos nos olhos.
Deixei que as emoções acumuladas se transformassem num regato de águas mansas e tu pedias-me que as estancasse. Os rios começam assim, com pequenas gotas...
No silêncio das minhas palavras, olhava os teus lábios secos e finos; os teus olhos eram duas bolas de gelo; o teu sorriso estava triste.
As coisas que dizias não vinham da alma...
Impossível - não eras tu!
Viajámos juntos no regresso, quase como “antigamente”…
Despedimo-nos com um beijo em cada face.
Estavas fria e eu senti frio.
Gelei!
Foi importante ter-te encontrado nesta tarde fria de Outono.
Qualquer dia volto ao parque.
Sozinho.
…Talvez encontre por lá a raposinha que gosta de rosas vermelhas

29 de setembro de 2006

A última viagem


Procuraste um porto de abrigo para as tormentas das tuas viagens e eu fui o cais do sossego.
Um dia, refeita dos males maiores, fizeste-te ao mar de alma lavada.
No cais deixaste o meu olhar fixo no horizonte onde te perdi.
Acenei num derradeiro adeus, estavas demasiado longe – sempre estiveste demasiado longe, mesmo quando te refugiavas na minha bonança – e não deste conta deste mar de lágrimas salgadas.
Infelizmente, não fui um porto seguro.

27 de setembro de 2006

Sem anexos

Um amigo brindou-me com esta delícia ; decidi publicá-la pela "graça" de umas quantas palavras e por tudo quanto se pode "ler nas entrelinhas".
Se a moda pega...

...

Carta aberta a um inventor de boatos

Caro senhor. É do meu conhecimento que procura saber pormenores sobre a minha pessoa. Infelizmente, limitou-se à “feira do boato” (um mau costume, como sabe) e não foi à fonte de águas cristalinas onde poderia saciar a sede, e nem a sua avidez por presumíveis factos do meu próximo passado teve o efeito desejado. Se tivesse percorrido meia dúzia de metros na minha direcção, tínhamos chegado à fala de forma educada e eu dar-lhe-ia as informações pretendidas, para contento e descanso da sua delicada, excelsa e prendada esposa e da sua alma gémea – o meu caro e inquisidor senhor; como não o fez, anexo o meu currículo de cidadão impoluto, nºs do BI, Contribuinte e conta bancária, certidão de nascimento, registo criminal, e ainda uma declaração da vizinhança onde se afirma que sou bom rapaz, pouco dado aos copos e às noitadas. Junto, ainda, atestado médico, isento de doenças contagiosas ou outras, e uma declaração onde afirmo, pela minha honra, que o meu único vício é estar apaixonado pela sua filha. Não lhe peço a mão da minha amada porque já a tenho – a mão e o resto…”!

22 de setembro de 2006

18 de setembro de 2006

Notícia de jornal


Sem que ninguém dessa conta, na passada quinta feira, dia 14, houve um terramoto a sul de um espaço reduzido, localizado sensivelmente a três quartos da inteligência, com efeitos devastadores no campo aberto das emoções. Todos os investimentos ruíram numa fracção de segundo – só ficou de pé uma árvore sem seiva, teimosa em continuar a desafiar forças invisíveis.
Pelo aspecto, a árvore não tardará a cair, arrastando consigo uma plêiade de sonhos, agora moribundos depois de um tempo de pujantes e viçosos sentimentos.
Especialistas acreditam que os edifícios não possuíam fundações à prova de um pequeno (?) sopro.
Os danos são incalculáveis!
A única testemunha ocular da catástrofe, atingida pela derrocada do polén da mimosa, encontra-se em convalescença.

15 de setembro de 2006

O contador de "estórias"

Havia um amigo comum e foi por essa via que eu e o “contador de estórias” chegámos à fala.
Das conversas simples passámos à discussão de temas importantes (ou nem por isso…).
Debatemos ideias e encontramos pontos comuns no modo como nos revemos na comunidade.
Se nos entendemos nos ideais, naturalmente procuramos nos “bons costumes” o equilíbrio entre a “sabedoria a força e a beleza” dos nossos actos. Infelizmente, continuamos a “anos-luz” da “perfeição”, mas acreditamos que virá “um tempo de amor e fraternidade total” para que se cumpra o vaticínio do tal amigo comum: Fernando Vale.
O “meu contador de estórias” tem tanto de desportista como de boémio, mas não são apenas as memórias desses tempos, com o requinte do pormenor, que fazem de si a melhor das companhias numa tertúlia ao serão…
Como gestor e autarca, recolheu fama de “pessoa séria, competente e rigorosa”. Agora, diz ter atingido a “reforma sem vencimento”, e fica longe dos encómios, de modo próprio.
Para mim, basta que remexa nas suas lembranças - fico de imediato preso às circunstâncias de cada momento vivido na irreverência da juventude, mas não desdenho uma boa “estória” dos seus tempos de homem feito.
Aprecio, sobretudo, seja em que circunstância for, a brejeirice com que envolve cada conto, talvez pelas gargalhadas que arranca à plateia da qual faço parte. Gabo-lhe o talento.
Peço-lhe para rabiscar as memórias, e a resposta vem sempre a meias com um sorriso, que não, “são coisas minhas” – diz.
Perante isto, “ameaço-o” de gravar os seus contos, à socapa, e um dia ainda vou enricar à sua custa – garanto-lhe!
O meu amigo e “contador de estórias” volta a sorrir, sorri sempre, porque está de bem com a vida e consigo próprio.
….
Faço uma breve pausa na escrita, debruço-me sobre o tema desta croniqueta e dou comigo a reviver outras “estórias”, que são minhas por inteiro, vividas no “outro lado do mundo” (como se não existissem “outros mundos deste lado”, que percorri das mais variadas formas com os sentidos despertos e atentos ao desconhecido…)!
Do “outro lado” sobram recordações do menino que aí cresceu e se fez homem entre “matateus e eusébios” de pé descalço, e partiu à descoberta do futuro que o mítico Festival de Música e Artes de Woodstock, realizado numa fazenda em Bethel, Nova Iorque, em Agosto de 1969, fez sonhar aos jovens do mundo civilizado…
No “outro lado do mundo” nasceram e morreram paixões e ilusões, mas o sonho (não importa qual!) manteve-se, e é em função desse sonho que “comando a vida” da “minha pedra filosofal”, porque quero fazer jus às palavras de António Gedeão.
Agora, desse “lado” veio uma encomenda que abri com sofreguidão e ansiedade, emoção e nostalgia - todas as minhas memórias vinham consubstanciadas em meia dúzia de coisas: castanha de caju para matar a saudade dos sabores africanos, boné e “t-shirt” para resguardar do Sol quente da “minha cidade”, e um punhado de terra onde mergulhei o olfacto e as duas mãos, quase em êxtase!
A Isaísa, senhora que nunca vi, foi a ”ponte” para o meu “regresso ao passado”!
… (Se tiver arte e engenho, sou capaz de fazer pirraça ao meu amigo contador de “estórias”. Ele que se cuide).

14 de setembro de 2006