Do meu sítio vejo os novos moinhos de vento implantados na Serra do Açor. A bem do progresso e da economia, a paisagem está, em definitivo, alterada; o horizonte, se o céu não estiver escondido pelas nuvens, ficou estranho para quem entende pouco ou nada de energias renovadas.
Para sempre, desaparecem os moinhos que moíam os grãos. Os actuais aerogeradores são gigantes com uma “cabeça” a piscar de vermelho na noite; de dia descobrem-se as “velas” num movimento constante e pouco apressado, com a finalidade de converter a energia eólica em energia eléctrica. Parte dela fará mover sofisticadas engrenagens com funções semelhantes às dos antigos moinhos dos moleiros, imagens ilustres da obra de Miguel de Cervantes, D. Quixote de la Mancha.
O autor narra, entre outras aventuras, a luta de D. Quixote contra os moinhos de vento que o próprio confunde com gigantes.
Se Miguel de Cervantes existisse neste tempo de modernidades, a ponto de viajarmos a outros planetas, certamente teria dado outro sentido à sua imortal obra e era bem capaz de inventar outro personagem, talvez com a “mesma triste figura” do seu cavaleiro andante, mas por outras causas…
Imagino a “minha serra” do Açor como mote para estória novelesca, desvendando segredos, como os que estão associados à aldeia histórica do Piódão.
É por aqui que me fecho num silêncio absurdo sobre a paisagem, quase “morta” de gentes e animais – nem um corvacho a sondar do alto a ração do dia, muito menos um “moleiro”, se é que os houve por lá noutros tempos.
Conduzo devagar, a seguir a uma curva, descubro a aldeia, faço uma pausa na viagem e contemplo a realidade de um sítio de total encantamento. Cá de cima não vislumbro qualquer tipo vida, como se o Piódão estivesse adormecido.
Continuo sem mais paragens até ao largo da Igreja. Depois, a pé, ando por ali numa espécie de solidão de bem-querer – desejo-a assim, que me faz bem à alma. Subo por uma rua minúscula e, na volta, o olhar perde-se no topo da serra e nos gigantes que “protegem” a aldeia…
Este momento único foi suficiente para reviver a estória do D. Quixote de la Mancha e do seu escudeiro Sancho Pança – duas personagens do imaginário fantástico de Cervantes.
Junto-lhe uma terceira, que nunca se “vê” na obra, mas sente-se a sua importância na vida apaixonada do cavaleiro: Dulcineia.
Estou, na vida, como D. Quixote de la Mancha em relação à figura que nunca viu – só dei conta disso num dia de Outono, no Piódão, aqui tão perto…